Além de dar detalhes sobre a sua infância, a criadora de conteúdo contou que só se descobriu uma mulher trans, na fase adulta
Beta Boechat faz sucesso nas redes sociais pelo seu jeito espontâneo e carismático. A criadora de conteúdo abriu o coração e compartilhou sua trajetória e desejos.
1. Primeiramente, Beta, você poderia compartilhar um pouco sobre sua trajetória? Como foi o início do seu processo de transição e o que te motivou a dar esse passo?
“Eu transicionei com quase 30 anos de idade. É uma idade que no imaginário popular as pessoas trans, elas já são trans desde pequenininhas ou isso já se mostra desde pequena. Eu brinco dizendo que eu nasci Roberta, só que durante um tempo ali pela minha adolescência, meus 16, 17 anos, eu descobri que eu precisava fingir-se alguma outra coisa para poder sobreviver, e lógico que isso inconscientemente, mas eu percebia que, ou eu me tornava uma pessoa muito masculina, uma pessoa que não se emocionava, uma pessoa que não deixava ninguém chegar perto".
"Eu já era uma pessoa pública na época e isso fez com que eu lidasse com essa história nos olhares de todo mundo. Acho que foi a pandemia para mim, além do terror que foi esse momento para todo mundo e para mim também foi, mas em algum momento a pandemia me protegeu de eu conseguir passar alguns anos descobrindo quem eu era sem precisar sair na rua”.
2. Durante a sua transição, houve momentos de dúvida ou insegurança?
"Qualquer pessoa trans que fala que não tem dúvida ou insegurança a vida inteira, ou pelo menos durante grande parte da vida, eu acho que está mentindo, porque ser trans é muito mais. Em algum nível, ser trans é você ter uma consciência de que você vai de encontro ao mundo, que você vai muitas vezes abrir mão de muita coisa na sua vida, de muito sonho, de muitos acessos, de muito respeito pra poder ser. Eu acho que não tem moda nenhuma e você tá morando no país que mais mata pessoas trans, travestis do mundo, não tem".
"Que não tem moda nenhuma de você se assumir trans quando o mundo fica cada vez mais hostil para pessoas trans. Porque é isso, a transação é a dúvida, é a dúvida de será que eu vou ser aquilo que esperam de mim ou aquilo que eu gostaria de ser? Será que isso que eu sou hoje é o que eu quero ser? Será que daqui a 10 anos eu vou continuar sendo a mesma pessoa? E eu tenho certeza que não, eu tenho certeza que minha vida inteira eu mudei o tempo inteiro. A vida é construída a partir da dúvida, então eu acho que a insegurança da dúvida faz parte da existência humana".
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3. Você sente que, hoje, a validação vem mais de dentro de si mesma?
“Acho que ninguém vive sozinho. A gente vive em sociedade. A validação sempre tem uma parte interna e uma parte externa. Não adianta a gente se aprovar 100% ou se todo mundo te desrespeita não chama a gente pela maneira como a gente gostaria de ser chamada. A gente vai nos lugares e sente que a nossa humanidade é diminuída. Então, eu sinto que não é só um processo de autoestima, é um processo de autoaceitação, é um processo de amor próprio.
"Mas, antes de tudo, é um processo de humanidade, é um processo da gente conseguir saber que a gente vai poder viver, que a gente vai conseguir passar dos 30 anos de idade, que a gente vai conseguir ficar velhinha, que a gente vai conseguir se relacionar, que a gente vai poder realmente ter, não ter medo de viver como a gente é”.
4. Para finalizar, o que você almeja para o futuro, tanto pessoal quanto para a luta pela visibilidade e direitos da comunidade trans?
“Eu sinto que o que eu mais sonho nesse momento é que a gente não retroceda, que a gente não volte para um lugar onde tenha que ter medo de ser quem é. Sonho que pessoas trans tenham uma vida normal. O que a gente mais quer é ser como qualquer outra pessoa. O que a gente mais quer é poder trabalhar, poder viver, poder amar, ser amada. Ter uma vida onde o simples é o fundamental, acordar fazer nosso café da manhã, almoço, poder viver a vida com que a gente ama".
"Eu quero ter pessoas trans vivendo um romance no cinema sem terminar com serem assassinadas, sem estar preocupada se fulano me ama suficiente ou não como qualquer outra mulher. A luta não precisa mais existir o dia que a gente possa ser só quem a gente é e ser aceita como qualquer outra pessoa na sociedade”.