Mariana Betioli, especialista em saúde íntima, comentou sobre as principais dúvidas sobre a menstruação
Cada vez com mais frequência tem se falado sobre a visibilidade menstrual: um movimento mundial concebido para trazer à tona o tema considerado tabu e que ainda limita a vida de muitas jovens e mulheres. A proposta idealizada por uma ONG alemã em 2014 e adotada mundialmente por diversas organizações busca a divulgação e defesa da saúde menstrual sob diversos aspectos como a falta de acesso à itens básicos de higiene íntima e até mesmo à necessidade da quebra de crenças que ainda cercam o tema e fazem com que mulheres ainda sejam estigmatizadas, excluídas e discriminadas.
No Brasil, Mariana Betioli, especialista em saúde íntima e obstetriz é exemplo dessa luta e desde 2010, com a criação da sua marca Inciclo – a primeira a produzir e vender coletores menstruais no país – trabalha para levar além de soluções práticas, sustentáveis e economicamente viáveis, a educação sobre o tema para mulheres, jovens e suas famílias.
Seja como voluntária em expedições para comunidades afastadas dos grandes centros como as ribeirinhas de Manaus, ou pelo Projeto Novo Ciclo – uma parceria da Inciclo com o ESPRO nascida em 2021 para oferecer acesso à coletores menstruais e educação à jovens do país- Mariana busca por meio da didática simples explicar a anatomia feminina, o funcionamento do ciclo menstrual, a melhor forma fazer a higiene íntima e, finalmente, como utilizar um coletor menstrual.
O que parece óbvio para parte das brasileiras, para uma outra grande parcela ainda é um assunto pouco explorado, mesmo em 2022. “Há dúvidas simples como por exemplo por onde sai o xixi ou se é possível urinar utilizando um coletor”, explicou Mariana.
“Quando apresento o coletor, algumas dizem que gostaram do produto, mas que o marido não as deixa usar. Ainda há um grande atraso sobre a autonomia do nosso próprio corpo”, pontuou a especialista.
A falta de informação ou até mesmo a vergonha de buscar instrução acabam por muitas vezes afetando a saúde dessas mulheres. Um levantamento do Projeto Novo Ciclo apontou que 37% das entrevistadas já fez uso de outros produtos para substituir o absorvente; ente eles pedaços de pano ou roupas velhas, papel higiênico e algodão. Mariana conta ainda que já ouviu relatos em que o miolo de pão era a alternativa encontrada para lidar com o período de fluxo menstrual.
“Produto para a menstruação deveria ser considerado item básico de higiene. Pessoas que usam absorvente por tempo prolongado ou substitutos inadequados colocam em risco a própria saúde e acabam desenvolvendo problemas ginecológicos sérios.”, disse.
Essa mesma pesquisa realizada no final do ano passado mostra ainda que as fontes de informação dessas jovens e mulheres são limitadas ao que encontram na internet ou por conversas com parentes femininas próximas como a mãe, que muitas vezes também não tem acesso a toda informação disponível. Entre as jovens que responderam a pesquisa, 10% sequer haviam recebido instrução antes ou após sua primeira menstruação.
“Ainda há um grande desconforto em abordar o assunto dentro de casa. A menstruação por muitos ainda é vista como algo negativo, sujo e até mesmo nojento. É preciso quebrar esse tabu e tratar a menstruação como um ciclo natural do corpo feminino”, comentou Mariana.
Outro grande abismo que circula o tema é o da pobreza menstrual ainda presente no país. Para quem não tem acesso a itens básicos de higiene, a falta de informação pode ser ainda mais prejudicial no que diz respeito à menstruação.
“Desmistificar a menstruação é trazer à tona o assunto em todas as esferas, inclusive nas políticas públicas. Há meninas e mulheres que ainda faltam ao trabalho ou a escola por falta de acesso a produtos adequados de higiene menstrual”, contou a CEO da Inciclo, chamando atenção para os números alarmantes da pesquisa do Projeto Novo Ciclo que aponta que 32% das entrevistadas já passaram por situação de falta de dinheiro para comprar absorvente. A impossibilidade de compra do item básico de higiene íntima já fez com que 20% faltassem a escola e 11% não comparecessem ao trabalho.
“Nós temos meninas e mulheres que ficam limitadas durante os dias de fluxo menstrual. Elas são impossibilitadas de seguir com as tarefas do dia a dia por não poder lidar com o sangue durante aquele período. Fornecer acesso à itens de higiene íntima é uma forma de garantir a igualdade de gênero e proporcionar uma situação básica para que essas pessoas consigam seguir com a sua rotina sem interrupções”, refletiu.
Ainda sobre pobreza menstrual, a CEO da Inciclo vê nos coletores menstruais parte da solução dessa situação. Quando conheceu o item em uma viagem ao Canadá, a obstetriz ficou encantada com a praticidade do item e seu viés sustentável: diferente do absorvente descartável, um mesmo copinho pode ser usado por até 3 anos, gerando uma quantidade menor de lixo. Ao trazer o coletor para o Brasil com a Inciclo e apresentar a opção para as brasileiras, Mariana percebeu que além de prático e sustentável, ele também poderia ser uma opção mais econômica. “Os copinhos podem ficar até 12h dentro da vagina da mulher sem nenhum risco. Após esse período, basta retirar, higienizar com água e sabonete e reintroduzir. Além de muito prático e da questão do lixo, há também a economia envolvida, uma vez que você adquire um copinho e pode usá-lo por até 3 anos sem nenhum outro gasto”, explicou.
“Ao dividirmos o custo de um coletor por 36 meses, o custo mensal sai em torno de R$ 1.91, muito menor que o de um pacotinho de absorventes. Contando ainda com incentivos fiscais do governo como isenção de impostos como acontece em alguns países, o preço cairia ainda mais e teríamos uma solução economicamente viável, sustentável e ainda prática para a questão da pobreza menstrual”, analisou.