No bate-papo com a Máxima Digital, a diretora, que será homenageada pelo Santos Film Fest deste ano, falou sobre racismo, arte e reconhecimento
Em 1984, o longa Amor Maldito, primeiro filme dirigido por uma mulher preta no Brasil, a diretora Adelia Sampaio, foi lançado. Com uma temática forte e nada convencional para a época, a produção foi e continua sendo até os dias de hoje tema de discussão e lembrança no meio artístico.
Prova disso é que Adelia foi convidada para ser a homenageada do Santos Film Fest, que neste ano ganhou uma edição online especial.
A mineira de 76 anos, nascida em Belo Horizonte, em 1944, rompeu grandes barreiras no Brasil com sua paixão pela arte, seu olhar social e transgressor e sua coragem. Em um país racista e preconceituoso, se destacar como mulher, preta, artista, diretora não é uma tarefa fácil, mas ela conseguiu e é por isso que sua história e sua arte serão lembradas de 16 a 23 de março no Festival Internacional de Cinema de Santos, que acontece de forma 100% gratuita.
Para comemorar esta indicação e também inspirar ainda mais mulheres, nós da Máxima Digital entrevistamos Adelia Sampaio para nosso especial MÊS DA MULHER e abordamos assuntos interessantes, necessários e tocantes com a diretora.
Com mais de meia década trabalhando com filmes e arte, sua carreira será homenageada na edição online do Santos Film Fest, Festival Internacional de Cinema de Santos. Qual é a sensação de ver seu trabalho, de mulher preta, sendo reconhecido desta forma mais uma vez?
Fico alegre feliz e percebendo que, embora de forma lenta, as profissionais pretas estão sendo vistas e percebidas. Um ano de Covid, de incertezas, de tristezas, de mortes num pais machucado, mais uma vez, com intolerâncias, com sua democracia ameaçada receber essa homenagem me faz crer que o amanhã de cores e luz chegará! Obrigada, Santos Film Fest.
O primeiro filme dirigido por você, uma mulher preta no Brasil, foi “Amor Maldito”, em 1984. Esse título te acompanha desde então e incentiva outras mulheres a seguirem seus sonhos na arte. Como foi trabalhar esta produção?
Fiz um filme onde registro de forma letal a violência doméstica, a homofobia e a intolerância religiosa. Na época que rodei o filme desejei muito que ele ficasse como registro de temas tão violentos.
Apesar do número de mulheres pretas na direção de filmes ter aumentado, ele ainda equivale a uma parcela bem baixa. Como você enxerga esse fato?
Para mim, como mulher preta, exibir o filme e debater com uma plateia de maioria mulheres negras me faz crer que vamos chegar, afinal esse país nos deve muito e estamos sempre resistindo na senzala, na carta de alforria. Basta rever a história.
“A Barca das Visitantes” [projeto antigo de Adelia] revive a ditadura militar. Ainda é uma proposta realizar esse segundo filme de ficção?
Sim. A Barca, se eu falecer antes de realizar, meu filho fica com a tarefa de filmar! Ele tem uma remota memória da viagem para Ilha Grande, Ilha das Cobras, da visitação. Ao ler o roteiro ele se emocionou.
É difícil viver de arte no Brasil?
Difícil se percebermos que a arte é a última coisa a ser pensada no Brasil.
O que você pensa sobre isso?
Saio por aí a pregar a luta pela cultura e acredito muito nessa geração que está chegando. Eles mudarão alguma coisa desta geração. Deixo três netos para engrossar as fileiras.
Mais do que diretora, você, Adelia Sampaio, é também um símbolo político, porque retrata nas suas obras, desde sempre, a realidade nua e crua de coisas que, muitas vezes, a sociedade não enxerga -- ou não quer enxergar. Esse é seu papel como diretora?
Escolhi registrar de forma por vezes cruel, sem sensacionalismo, as dores e dificuldades dos seres humanos! Me interesso pelo humano sempre.