Movimentos de mulheres evangélicas e católicas pela legalização do aborto - Instagram
Luta!

Cristãs pela legalização do aborto: O que elas têm a dizer sobre o caso da menina estuprada no Espírito Santo?

Conheça os movimentos Frente Evangélica pela Legalização do Aborto e Católicas pelo Direito de Decidir

Ivana Guimarães Publicado em 19/08/2020, às 23h55

Nos últimos dias, a notícia da menina de 10 anos que foi estuprada por anos pelo tio, de 33 anos, e precisou deixar o Espírito Santo (ES) para poder interromper a gestação em Pernambuco (PE), foi muito comentada.

Em seguida, vídeos de religiosos que foram até a porta do hospital protestar contra o aborto se espalharam pelas redes sociais e foram repudiados por outros grupos de cristãos que não se identificaram com tal atitude. Dois desses movimentos são os núcleos de mulheres Frente Evangélica pela Legalização do Aborto (FEPLA) e Católicas pelo Direito de Decidir (CDDBR).

 

Para entender o que pensam e o que defendem estes grupos de mulheres, nós, da Máxima Digital conversamos com elas sobre legalização do aborto e defesa de direitos humanos em contextos religiosos. Confira a entrevista: 

MÁXIMA DIGITAL: Como nasceu o movimento? Qual a luta de vocês?

FEPLA: A Frente Evangélica pela Legalização do Aborto nasceu em 2017 em meio às articulações da ADPF442 (ação proposta pelo PSOL que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana gestação no STF.) Nesse contexto, um grupo de mulheres evangélicas que entendiam a importância e a urgência da descriminalização do aborto no Brasil, se viram silenciadas por um discurso fundamentalista que argumentava contra a ADPF e falava em nome dos evangélicos. O objetivo do movimento é dar voz a mulheres que vivem na fé cristã e defendem um Estado Laico e a não interferência religiosa. Entendemos que legalizar o aborto é uma forma de encarar a realidade que já existe no país e minimizar o número de mortes daquelas que fazem o procedimento de forma clandestina e insegura. Nós reivindicamos educação sexual para decidir, contraceptivos para prevenir e aborto legal e seguro para não morrer. É assim que defendemos a vida. 

CDDBR: O movimento Católicas pelo Direito de Decidir começou no Brasil em 1993 como uma força de mulheres de tradição católica, pertencentes as pastorais sociais e que se sentiam oprimidas tanto nas igrejas quanto na sociedade. Com o tempo fomos construindo um contra discurso frente a moral sexual religiosa que dava dignidade as mulheres que viviam experiências sexuais diferentes da heteronormatividade e que, por alguma razão, recorriam ao aborto, frequentemente ilegal, o que trazia sérias consequências para suas vidas.

MÁXIMA DIGITAL: De que maneira vocês enxergam a postura dos cristãos que tentaram impedir o aborto da criança que foi estuprada no Espírito Santo? Por que vocês acham que essa tentativa aconteceu?

FEPLA: A postura dos cristãos presentes ali não representam em nada o evangelho. Ir à porta de um hospital a fim de hostilizar a criança e os profissionais dispostos a assegurar o direito dela é violentá-la novamente. Tal ação mostra como para essas pessoas o dogma e a ideologia está acima de todos os outros fatores, como a própria violência vivida, a vida dessa menina que está em risco e a busca de justiça de quem tinha cometido aquele ato, que naquele momento ainda estava foragido. Realizam essa ação partindo dos princípios ideológicos que tem, em um apego a interpretação da lei bíblica que fazem. Ao observarmos os evangelhos é possível ver inúmeras vezes como Jesus passa por cima da lei a fim de preservar a vida. As pessoas que estavam na frente daquele hospital se dizendo pró vida, ao defender a gestação de uma menina de 10 anos, vítima de violência, onde existia um enorme risco de morte, e chamando-a de assassina, legitimam a morte, não somente física, mas também a simbólica.

CDDBR: A postura de grupos que denominamos “pró morte” e que tentaram impedir o aborto da criança de 10 anos, não é em nenhum momento cristã. Nesse momento nossa grande preocupação deve ser com o estupro e não com o aborto. É evidente que uma criança de 10 anos não está pronta para ser mãe, ainda mais quando essa gravidez é fruto de estupro. Esses grupos se autodenominam em defesa da vida, mas isso é a última coisa que fazem. Não demonstram nenhuma compaixão com a mulher, no caso menina, que está vivendo a situação. Eles estão calcados em uma moral abstrata, anti-ética e de total desrespeito ao ser humano. Chamam um embrião ou feto de criança, o que é um erro científico. Há um agravante, o aborto no caso dessa menina é permitido por lei, então nem sequer deveríamos estar debatendo argumentos religiosos nessa situação.

MÁXIMA DIGITAL: O que o caso dessa menina nos diz sobre o que é ser mulher no Brasil? E o que diz sobre como o estupro e o aborto são tratados nas igrejas?

FEPLA: Ser mulher no Brasil é ter medo de andar na rua e sofrer alguma forma de violência, ser silenciada ao fazer uma denúncia, ridicularizada e objetificada simplesmente por ser mulher. Como dito na resposta anterior, esse fundamentalismo religioso tem levado às igrejas a darem as costas para realidades tão gritantes como a pedofilia e a violência sexual. Essa forma de religiosidade em nada se preocupa com a dignidade humana, e sim com o controle sobre as vidas. As igrejas precisam admitir a sua responsabilidade na manutenção dessa estrutura machista e patriarcal, e combater em seus espaços de fé os discursos que legitimam a violência e dominação dos corpos das mulheres. Esse caso também escancara toda essa relação político-religiosa que existe em nosso país que supostamente é um Estado Laico. Enquanto essa falsa moral continuar instrumentando políticas públicas para cumprir com a agenda de um grupo religioso específico, mais nós nos afastamos do princípio de democracia.

CDDBR: As mulheres no Brasil tiveram uma significativa emancipação por seus próprios esforços no movimento feminista e nos movimentos femininos em geral. Mas ser mulher no Brasil ainda é ser uma cidadã de segunda categoria. Nem se fale quando nos referimos as mulheres negras e pobres. Entendemos que os abortos e abusos sexuais nas igrejas deveriam ser tratados de forma estrutural, assumidos como um problema a ser solucionado nas instituições educacionais, de segurança e nas famílias. As igrejas não deveriam intervir nas decisões das mulheres em casos de aborto. Vivemos em um país laico, não há porque argumentos religiosos serem impostos para todos os cidadãos. Em relação ao estupro, elas não podem mais fechar os olhos e continuar defendendo a indissolubilidade do matrimônio ou esse modelo falido de família nuclear. O lar tornou-se um lugar perigoso para muitas mulheres. Os líderes religiosos precisam enxergar essa realidade e empenhar-se no combate a violência ao invés de aconselhar as fiéis a aceitarem maus tratos. 

MÁXIMA DIGITAL: Como é lutar por essa causa dentro de um contexto religioso? De que forma vocês são recebidas pela comunidade cristã brasileira?

FEPLA: Não é fácil! Ser progressista dentro do setor religioso e mais especificamente do setor evangélico é ter que lidar constantemente com pessoas que deslegitimam e questionam a nossa fé como se houvesse ’carteirinha para ser cristão’. A questão do aborto é muito cara a diversos cristãos e causa inúmeras divergências. Nós entendemos isso e buscamos fazer o diálogo sempre buscando as interseções que temos pela fé: o princípio do amor ao próximo e da graça divina. A comunidade cristã brasileira não é uníssona. Somos muitos e diversos!

CDDBR: Lutar por essa causa dentro de um contexto religioso necessariamente é ir contra a corrente. Padres e bispos ainda que pensem como nós, muitas vezes por medo de punição, não têm coragem de assumir uma posição diferente do pensamento oficial. Há muita gente que diz ”que bom conhecer vocês, assim posso voltar a ser católica” e nos agradecem por externarmos nosso pensamento a favor das mulheres. No ano passado, realizamos encontros com mulheres quilombolas, imigrantes, gente que acolhe nossas propostas e se emancipa. Por outro lado, recebemos ameaças, em geral anônimas, de pessoas vinculadas ao chamado grupo “pró vida”, que nos chamam de carniceiras, assassinas. Mas este setor da Igreja não representa a maioria, felizmente. Nós ignoramos as ameaças e seguimos com nosso trabalho.

MÁXIMA DIGITAL: Como ser um aliado da causa de vocês?

FEPLA: Acredito que espaços como esse que nos foi cedido são a principal forma de ajudar, nos dando voz. Nesses últimos dias muitas pessoas têm nos procurado e ficamos muito felizes em ver que elas querem entender melhor, querem conhecer. Os movimentos de cristãos que têm um compromisso com a dignidade humana e com a realidade social sempre existiram, mas não são hegemônicos, então, muita gente nos desconhece.

CDDBR: Temos em todo o país, mulheres ativistas de Católicas que são porta-vozes de nossa mensagem. Elas passam por um processo de formação através de seminários e outros estudos e quando se sentem seguras, começam a responder às demandas feitas à Católicas, nos representando em diferentes espaços. Para ser ativista, pedimos que as pessoas interessadas sejam de tradição católica e tenham afinidade com nossas ideias. Em São Paulo temos um grupo que se reúne uma vez por mês para articulação e estudos. Se alguém tiver interesse, por favor, entre em contato pelo e-mail cddbr.regina@uol.com.br

 

Frente Evangélica pela Legalização do Aborto Católicas pelo Direito de Decidir

Leia também

Dia Mundial da Menopausa: Os cuidados de saúde que facilitam o período mais livre das mulheres


Como assim? Rei Charles III levará estoque do próprio sangue para viagem


BODY: 3ª edição do evento sobre aceitação acontecerá em outubro e promete reunir estrelas


‘The Acolyte’: Atriz critica Disney por não responder ataques racistas a elenco


Especialista explica processo de aceitação da orientação sexual


Bullet Journal: Saiba motivos para ter um e como organizá-lo na sua rotina