A titular da seleção brasileira de vôlei tem muita persistência e determinação nas quadras e na vida
Foi bem cedo que a bola virou a grande companheira de
Jaque, 32 anos, musa da nossa seleção e do clube paulistano Sesi. Nascida numa família simples de Boa Vista, bairro da região central do Recife, ela ganhou o brinquedo da mãe —
Josiane Costa, 56 anos. A ideia era dar um presente econômico e que ainda pudesse ser compartilhado com a irmã
Juliana, um ano mais velha. “A Ju jogava vôlei e basquete na escola e eu comecei a me interessar também”, lembra Jaque. Não demorou para a distração se transformar em paixão! “O problema é que vira e mexe eu era surpreendida pelos professores matando aula para jogar bola. Minha mãe ficava doida! Para amenizar, ela pediu que eu me dedicasse a somente uma modalidade. Acabei optando pelo vôlei”, revela. O talento não demorou a aparecer e, aos 13, a morena já se tornava atleta federada. No ano seguinte, foi convocada para disputar o Campeonato Brasileiro pela seleção pernambucana. “Em seguida, veio o convite para a seleção brasileira, que represento com amor até hoje”, diz orgulhosa. Num bate-papo exclusivo que ela teve com MÁXIMA, contou sobre as dores e delícias da vida esportiva, a maternidade, os percalços que enfrentou na trajetória e como venceu cada um deles. Acompanhe!
Já chegou a cogitar seguir outra profissão?
Não, nunca me passou pela cabeça. Quando optei pelo vôlei, já estava muito apaixonada, envolvida, decidida a ganhar a vida com o esporte. E, felizmente, as coisas foram acontecendo. Talvez, se eu tivesse escolhido o basquete, não teria obtido tanto êxito.
Você veio para São Paulo aos 14 anos para jogar. Como foi a mudança?
Recebi o convite do clube Osasco e resolvi me arriscar. Vim de Recife sozinha, porque minha mãe não podia largar o trabalho. Na verdade, eu não estava preparada, era muito nova. Morei numa república com quatro meninas e usava o edredon delas, porque só tinha lençol. Não possuía muitos agasalhos também, pois na minha terra não fazia frio. Era uma correria só: eu estudava durante toda a manhã e, à tarde, treinava — sem folga. Metade do salário que eu ganhava mandava para minha mãe. Era uma alegria poder ajudá-la. Até hoje fico feliz da vida quando posso proporcionar algo a ela!
A relação de vocês parece muito próxima...
É, sim. Minha mãe se separou do meu pai quando eu tinha 5 anos e criou a gente sozinha. Batalhou para não deixar nada faltar e sempre me apoiou muito. Até hoje ela é a minha maior fã. Tudo o que faço tem a marca dela.
Em 2002, logo após ser convocada para a seleção juvenil e eleita a melhor jogadora do Campeonato Mundial, um incidente sério obrigou você a fazer uma pausa na carreira.
Rompi uma veia da mão direita, ela entupiu e provocou uma trombose. Os médicos não sabiam exatamente o que tinha causado o problema, mas depois constataram que era efeito das pancadas bruscas da bola. Eu havia migrado recentemente da categoria de base para a adulta e o meu corpo sentiu a mudança. No hospital, me disseram que eu teria que amputar o braço, porque se o problema chegasse ao coração, poderia trazer complicações muito sérias.
Como foi receber uma notícia dessa, aos 17 anos, com uma vida e uma carreira toda pela frente?
Devastador, é claro. Mas em nenhum momento eu pensava em desistir. Acreditava que ia reverter aquela situação difícil, que sairia ilesa. E foi o que aconteceu. Fiquei dez dias internada, fazendo acompanhamento e recebendo medicação para coagular o sangue. Graças a Deus o tratamento deu certo e a amputação foi descartada.
Mal deu tempo de se recuperar do braço e você já teve outro problema, com o joelho, certo?
Sim, cerca de um mês depois que tudo isso aconteceu, as meninas do time já estavam na fase final do Campeonato Paulista e o meu técnico queria muito que eu reforçasse a equipe. Retornei empolgada, porém no primeiro jogo me desequilibrei e acabei rompendo o ligamento cruzado do joelho esquerdo. Foi impossível não pensar: “Meu Deus, tenho que passar por isso de novo? O que vai acontecer comigo?”. Entretanto, resolvi encarar a situação com firmeza e fazer o necessário para voltar o mais rápido possível às quadras.
Como foi a recuperação?
Fiquei quase um ano em tratamento e, quando voltei, adivinha só: rompi o mesmo ligamento de novo, treinando! Lá se foi mais um ano afastada... De volta ao trabalho, disputei vários jogos e me destaquei bastante, tanto que fui convocada para a seleção mais uma vez. Não esperava que tudo fosse tão rápido.
Você costuma dizer que esse problema no joelho foi muito importante para a sua carreira. Por quê?
Eu era atacante, só queria saber de pontuar. E, para ser uma ponteira (posição que Jaqueline ocupa em quadra) completa, você tem que fazer de tudo um pouco. Quando tive esse problema no ligamento eu não podia saltar para atacar. Então meus treinos eram basicamente de passes e defesas. Isso ampliou muito meu repertório. Hoje, sou o que chamam de jogadora de volume: aquela que não pontua o tempo todo, mas arma a jogada da melhor maneira para que uma companheira faça o ponto. Essa versatilidade foi decisiva para o meu destaque, sobretudo na seleção brasileira. Por isso, falo que nada é por acaso. Foi uma oportunidade que a vida me deu de transformar a dificuldade em algo positivo.
O Brasil parou em 2011, durante o Campeonato Pan- Americano, ao ver você se chocar com a Fabi (líbero da seleção) e sofrer um trauma na coluna cervical. Mais um susto daqueles! Chegaram a dizer que sua carreira acabaria ali...
Sim, foi no jogo contra a República Dominicana, no segundo set. Subi para um bloqueio e, na descida, me desequilibrei. Ao cair no chão, minha nuca bateu na cabeça da Fabi, que tentava salvar a bola. Esse choque beliscou a minha medula e eu corria o risco de ficar paraplégica. Me lembro que eu estava no chão e o Zé Roberto Guimarães (técnico) me pedia para apertar a mão dele. Eu fazia força e ele continuava pedindo, pois nada acontecia, não tinha movimento. Como é horrível a sensação de não poder controlar seu próprio corpo! Pensava muito na minha mãe, pois tudo estava sendo televisionado e eu sabia que ela estaria desesperada. Assim que consegui, liguei para ela...
Felizmente, você se livrou de mais esse problema.
Sim. Os médicos disseram que se o nível chegasse a 20% eu teria problemas, mas meu caso não atingiu nem 10%. Tive que usar colar cervical por dois meses e depois fiquei bem.
Apesar de tudo o que já passou, você diz por aí que se considera uma pessoa de sorte. É mesmo?
Sem dúvidas! Cada provação ajudou a me tornar a pessoa forte e guerreira que sou. Veja bem, tive percalços, no entanto superei todos. Então como pode ser azar? Essa palavra não me representa, não. A minha palavra é superação. Recebo muitas cartinhas de fãs dizendo que se inspiram em mim. Fico emocionada! É muito bom poder ajudar pessoas a reagir com garra frente às suas dificuldades — muitas, com certeza, maiores que as minhas.
Você está há 16 anos casada com o Murilo Endres (35 anos, jogador da seleção masculina de vôlei). Os dois vivem viajando, são bastante assediados. Como lidam com isso?
Conheci o Murilo logo que cheguei a São Paulo. Começamos a namorar e não nos largamos mais. É uma relação de muito amor e respeito. Além disso, como todo mundo já sabe que somos um casal, a abordagem é diferente. Sinto que as pessoas nos admiram. As fãs mais ousadas fazem parte (risos).
Sempre quis ser mãe?
Em 2011, engravidei, mas sofri um aborto. Depois de um baque como esse fica o receio: será que eu vou conseguir engravidar algum dia? A gestação vai vingar? Quando aconteceu novamente, foi muito especial. O Arthur tem 2 anos e é a maior realização da minha vida. Ainda quero ter mais um bebê. No entanto o foco agora é outro: as Olimpíadas.
E como é a Jaqueline mamãe?
Extremamente cuidadosa, carinhosa e babona. Até porque tenho o melhor dos exemplos — minha mãe, que é incrível!
Falando em Olimpíadas: como está o coração para o grande evento?
É muito especial receber a competição em nosso país, saber que a família e os amigos vão estar por perto. Também há o outro lado, que é o da pressão absoluta. Temos que saber lidar com a torcida e as expectativas inevitáveis. Cada jogo será uma final, não tem jeito. Ainda mais porque o vôlei feminino é bicampeão olímpico. As equipes virão com tudo para cima da gente. Mas não vão nos eliminar, não! É meu sonho ser tri aqui no Brasil e estou confiante.
Musa da seleção
Assumidamente vaidosa, Jaque diz que não se importa com o título de musa da seleção. “Só fico brava quando sugerem que estou lá por conta da minha beleza. Provo em quadra que não é isso”, afirma. Ela é conhecida por sempre aparecer nos jogos com o visual impecável. “A quadra é a minha festa, minha balada. Então eu capricho no make, ajeito o meu cabelo e me jogo”, brinca. O gosto pelos pincéis e escovas é tão grande que, mais para a frente, a bela sugere que vai fazer disso a sua ocupação. “Já pensei várias vezes em ser blogueira de maquiagem, viu? Eu mando muito bem! E, quando me aposentar, quero ter uma rede de salões de beleza”, entrega.