Estar sempre pronta para solucionar os problemas do seu filho não é boa ideia: isso pode levá-lo a crescer extremamente dependentes e despreparados para a vida. Veja como reverter esse quadro
Você já ouviu falar no termo “pais helicóptero”? Ele foi criado por especialistas para designar aqueles pais que estão sempre “sobrevoando” suas crias, na tentativa de resolver problemas, suprir demandas e evitar que eles sofram. Repasse mentalmente a rotina da sua casa e pense se você é do tipo que se antecipa para solucionar tudo: separa as roupas para a criança se vestir após o banho; prepara todos os dias a mochila da escola; dá aquele gás na pesquisa para que ele consiga entregar o trabalho a tempo; tenta compensar os dias difíceis do pequeno com um presente fora de época... Identifi cou-se com as situações acima? Fique alerta! “Esses comportamentos fazem com que a criança registre a mensagem de que as coisas não dependem do empenho dela para acontecer. Outra pessoa vai dar conta do recado. Basta esperar”, pontua a psicóloga Darlene Godoy (SP), mestre e doutora em distúrbios do desenvolvimento.
A primeira grande consequência do excesso de proteção é o bloqueio da autonomia da criança. Entenda: nenhum ser humano nasce autossufi ciente. Após o parto, somos extremamente dependentes de nossos responsáveis para nos alimentar, locomover, dar banho, trocar e por aí vai. “Vamos desenvolvendo a nossa independência aos pouquinhos, mas sempre com a interferência dos nossos pais. Por isso, é tão importante que desde cedo sejamos estimulados a fazer as coisas sozinhos”, destaca Luciana Brites, psicopedagoga do Instituto NeuroSaber (PR). Isso engloba desde a realização de tarefas simples, como se alimentar, até mesmo a mediação de confl itos nas relações interpessoais. “As crianças podem começar a usar a colher para comer por volta dos oito meses. No entanto, para evitar a sujeira, muitos pais preferem alimentá- la privando-a de treinar habilidades, como a dominância lateral, a coordenação motora e o equilíbrio”, afi rma Luciana. Pode até ser inconscientemente, mas é a realidade. Outro exemplo: sabe quando dizem que não devemos interferir a todo o momento na disputa dos pequenos pelos brinquedos? Pois bem: é que em momentos assim a criança começa a criar seu repertório para lidar com situações adversas, negociar... “Mais do que isso, os confl itos nos lembram da importância de vivências, como as perdas e a rejeição. Temos uma ideia absurda, reforçada pelas redes sociais, de que só a alegria deve ser exaltada e sentimentos como raiva, tristeza e medo devem ser evitados a todo custo. Porém, eles trazem bagagens que nos preparam para a vida”, garante a psicóloga Darlene. Estudos vem reforçando os desdobramentos prejudiciais da superproteção parental. Um deles, divulgado em 2015 no Journal of Children and Family Studies, publicação que reúne artigos científi cos internacionais, mostrou que pais que se intrometem demais nas atividades e decisões dos pequenos sinalizam a eles que o mundo é ameaçador. O resultado: os níveis de ansiedade da criança vão a mil, o que influencia em seu bem-estar e distorce a percepção que ela tem de si mesma e de suas capacidades. Lá na frente, tanta insegurança pode deixar as portas abertas para males como a depressão e a síndrome do pânico.
ONDE TUDO COMEÇA
Uma das principais origens da superproteção é a culpa — uma constante entre os pais de hoje, muitas vezes ausentes na criação de seus fi lhos. “Eles adotam o excesso de zelo como um mecanismo de compensação”, diz Darlene. É mais ou menos assim: como não podem participar ativamente do cotidiano dos filhos, os pais tentam amenizar a culpa tornando o mais simples e agradável possível o desenrolar da vida das crianças. Esqueceu o casaco em casa? Logo a mãe ou o pai aparecem com ele no colégio. Está aborrecido com alguém na escola? A mãe sai em defesa da criança, sem nem analisar os fatos... “Recentemente, foi noticiado o caso de uma menina que teve que se desculpar na sala por não convidar um colega para o seu aniversário. Atitudes assim criam um ambiente de artifi cialidade, como se ninguém pudesse experimentar a rejeição social e como se a afinidade fosse obrigatória a todos. Não podemos reforçar essa imaturidade, pois é ensinar que não será preciso lidar com a dor”, pontua Darlene. Para os pais, é preciso buscar outras formas de participação para aplacar esse peso que culpa. Mesmo que o tempo ao lado dos filhos seja escasso, use estratégias para que vocês o aproveitem com qualidade. Além disso, tenha em mente que os pais precisam educar e, por isso, nem todos os momentos serão de descontração. “Encontre caminhos para treinar a autonomia e a participação do seu filho. Que tal pedir a ele para pensar no programa do fim de semana, colocar a mesa do almoço...”, sugere Luciana. Acredite: mais adiante ele vai agradecer o estímulo.
Metas para criar filhos independentes e seguros
1. Atribua responsabilidades ao pequeno. Isso deve ser feito observando a idade e a capacidade física e intelectual da criança. “Se ela for muito pequena, não peça nada refinado. Mas é importante que ela participe das tarefas para entender que todos na família desempenham um papel”, ensina Darlene.
2. Dê espaço para o erro. Em vez de interromper o que a criança está fazendo incorretamente, experimente, algumas vezes, deixála concluir a atividade. Depois, peça para ela explicar porque escolheu determinado caminho e refl etir sobre outras possibilidades.
3. Estimule o seu filho a fazer escolhas. Não atropele esse processo. Mostre, sempre que possível, que quando elegemos uma coisa, abrimos mão de outra e que não dá para ter tudo.
4. Trabalhe a visão de futuro. Ou, em outras palavras, a noção de ação e consequência. Motive a criança a raciocinar sobre os desdobramentos possíveis das suas atitudes a curto e longo prazo. Isso é importante para que ela não foque apenas nos resultados (e sobretudo nos prazeres) imediatos.
5. Mostre modelos perseverantes. Num mundo tão imediatista, é importante ensinar aos mais jovens que, muitas vezes, é preciso ter paciência e insistir para conseguir aquilo o que se deseja.