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Gaby Amarantos mostra como encontrar a melhor versão de si mesma

Texto: Patricia Affonso Publicado em 24/03/2017, às 11h40 - Atualizado em 22/08/2019, às 01h40

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Gaby Amarantos mostra como encontrar a melhor versão de si mesma - Gustavo Arrais
Gaby Amarantos mostra como encontrar a melhor versão de si mesma - Gustavo Arrais
Gaby nasceu e cresceu na periferia de Belém, longe dos holofotes e do burburinho da indústria musical. No entanto, fez do bairro de Jurunas seu palco e laboratório para experimentar sons, letras, figurinos e coreografias. Negra e dona de um corpão cheio de curvas, ela não se enquadrava no perfil imposto para ser vocalista. Mas não desanimou: resolveu ela mesma abrir os caminhos para fazer a sua estrela brilhar. Tanta determinação, somada a um talento inegável, resultou no merecido reconhecimento. Arretada e do tipo que não se acomoda, Gaby ainda busca desafios e evolução – pessoal e profissional. A morena já se lançou como compositora, apresentadora e se firma como porta-voz de uma moda democrática, onde todas as mulheres têm vez. Não dá gosto de ver? Pois esse é só um pedacinho da história dessa paraense de fibra. Confira a entrevista que ela concedeu a MÁXIMA, na qual fala sobre carreira, amor, maternidade, preconceito, estilo e mais... Você vai se deslumbrar! 

Quando começou a cantar?
Eu cantava na igreja desde os 13 anos. Porém fui convidada a me retirar, porque eles me achavam animada demais para a proposta (risos). Daí aos 18 comecei a me apresentar em bares. O repertório tinha MPB e música paraense: lambada, carimbó, brega... Era engraçado, porque eu estava cantando Elis Regina, com o público emocionado, e falava pra banda: “Agora manda um brega aí!”. O bar virava uma festa! Pensei: “É isso o que eu quero, colocar o povo pra dançar”. Então, em 2012, montei minha primeira banda, a Tecno Show. Era uma coisa muito doida, com figurino com luz de LED, bailarinos com estilo sadomasoquista... Tem vídeos dessa época na internet. Eu adoro rever! 

Já dava pra ganhar dinheiro com a música?
Eu era uma cantora bem posicionada no Pará, mas queria ir além dessa fronteira. Em 2010, as portas se abriram de um jeito inesperado. Eu fui fazer um show no Carnaval do Recife e o teclado do músico que me acompanhava queimou. Só sobrou o computador, que tinha a base para uma versão da música Single Ladies, da Beyoncé. Eram 30 mil pessoas me assistindo e nenhuma música para tocar. Abri o jogo e falei: “Gente, o instrumento queimou e eu não sei o que fazer. Vou ficar imitando a Beyoncé, então...”. Por ironia do destino, eu estava com um look muito parecido com o que ela usou no clipe dessa música: maiô preto, luvas. Cantei Hoje Eu Tô Solteira, alguém postou o vídeo na internet e ele viralizou. Logo recebi o convite para ir ao programa do Faustão como a Beyoncé do Pará. 

Quando esse rótulo caiu e a Gaby Amarantos, de fato, apareceu?
Em 2012, quando Ex Mai Love virou tema da novela global Cheias de Charme. Aí, a minha carreira decolou. 

Você sofreu preconceito?
Muito! Ninguém queria me ter como vocalista. Eu ia aos testes, arrebentava, as pessoas diziam que iam me ligar e nunca retornavam. Aí, logo aparecia a banda com uma líder magra, loira e de cabelos lisos. Comecei a entender que estava fora do padrão e a saída foi formar a minha própria banda. E não pense que coisas desse tipo acabaram agora que sou conhecida! No final do ano passado, um comentário racista na minha página do Instagram virou notícia. As pessoas diziam que eu tinha que fazer barulho, denunciar. O que muita gente não sabe é que toda semana eu passo por isso. O preconceito machuca, mas já estou com a casca grossa. Na verdade, hoje ele me dá mais força para mostrar às mulheres negras ou pessoas de origem humilde que elas podem ser o que quiserem. 

De onde vem essa força?
Da minha espiritualidade e do meu amor-próprio. Fui criada no catolicismo, mas tenho simpatia por todas as crenças. É claro que fi co desanimada, me sinto oprimida quando ligo a TV e vejo que as mulheres que têm o padrão de beleza imposto possuem mais oportunidades. Você acha que eu nunca pensei em fazer uma lipoaspiração, afinar o nariz, só andar com o cabelo liso e usar produtos que deixam a minha pele mais clara? É claro que sim. O caminho mais fácil é se enquadrar. Mas aí eu respiro fundo e lembro que venci por meio da resistência de me mostrar como sou. 

Qual foi a situação mais difícil que já enfrentou?
A perda da minha mãe. Ela teve um câncer fulminante: descobrimos a doença e em uma semana ela faleceu. Ela era meu esteio, cuidava do meu fi - lho, tinha o ombro e o colo sempre disponíveis para mim. Fiquei um tempo afastada, deprimida. Então comecei a compor. A música me salvou. 

Você é descendente de escravos. Como isso influenciou você?
Tenho muito orgulho das minhas raízes! Os antepassados africanos do meu pai, que vieram para trabalhar como escravos no interior do Pará, eram chamados de negros acapu em menção a um tipo de madeira conhecido por ser o mais forte da floresta. Eram muito animados e manifestavam isso por meio da música e da dança. Herdei a força e a alegria deles. 

O brega está na moda, mas esse já foi um termo pejorativo. O que ele significa para você?
É a coisa mais elegante que existe! É a coragem de ser o que você é, sem se importar com o julgamento alheio. Minha mãe me educou para ser livre, seguir minhas vontades. Sempre fui extravagante, exibida (eu customizava o uniforme da escola!). As pessoas diziam: “Ih, lá vem a carnavalesca”. E esse tipo de comentário nunca me brecou. 

Como surgiu o convite para apresentar um programa fashion – o Troca de Estilos, da Discovery Home & Health?
Em 2013, fui chamada para criar um jingle de Natal para o canal. Topei, mas disse que queria um programa. Eles ficaram animados e desenharam o Troca de Estilos, que estreou em 2015, especialmente para mim. Tem dado muito certo! Tive que passar por uma transformação de moda também para encarar esse desafio. Eu nunca tinha usado saia mídi, por exemplo. Aprendi e aprendo muito com a equipe. Hoje estou buscando um equilíbrio entre a Gaby que tem coragem de usar tudo e a que tem informação de moda. 

O que é moda para você?
Não tenho essa de ter que usar tal coisa, obedecer uma tendência. Gosto de mesclar o que está em evidência com referências minhas. A moda tem que me fazer feliz, é uma forma de me expressar. Quando estou triste corro para o guarda-roupa, visto várias combinações e tiro fotos. É uma diversão! 

É verdade que você já pensou em ser freira e desistiu em nome da vaidade?
É, sim! Eu fiz um curso vocacional e a noviça foi explicando tudo. Primeiro, falou do voto de pobreza, que era preciso viver sem nenhum luxo. Até aí tranquilo. Aí, ela falou do voto de castidade... Pensei: “Ficar sem sexo? Tá, eu tolero”. Por último, ela falou da questão da vaidade, que não poderia usar nenhum tipo de maquiagem. Levantei na hora e saí da sala. 

Seu filho, Davi, de 8 anos, foi fruto de uma gravidez não planejada. Teve medo?
Tive que encarar sozinha e, no início, foi apavorante. Quando descobri que estava grávida, comuniquei ao pai do Davi e ele disse que não tinha nada a ver com isso, para eu me virar. Passei a gestação toda deprimida. Achei que minha carreira ia acabar. Depois que ele nasceu, porém, tudo se encaixou. Digo que o Davi é o meu amuleto da sorte. Ele me deu a coragem de alçar voos mais altos, porque tinha um ser que dependia de mim. 

E a tal da culpa materna: você sofre com ela?
É louco isso! A sociedade impõe que você se sinta mal, mesmo se você está dando o melhor para o seu filho. Eu não sinto culpa! E quando digo isso as pessoas ficam perplexas, como se eu tivesse obrigatoriamente que carregar esse peso. Estou batalhando para que ele tenha tudo o que eu não tive. E, mesmo viajando, sou presente, acompanho tudo. Então sigo tranquila! 

Quer ter mais filhos?
Gostaria de ter mais um, não sei quando... Estou me organizando para isso. 

Casar também está nos planos?
Sim, mas eu ainda quero entender como vai ser isso. A família do Gareth (Jones, cineasta inglês com quem a cantora vive há dois anos e meio) está na Inglaterra e a minha, toda aqui. Na verdade, já me sinto casada, mas quero uma cerimônia intimista para celebrar nossa união. 

Você é romântica?
Ele é muito mais, mas já mudei bastante. O amor era algo que eu pensava não ter sido feito para mim. Eu passei por muitas experiências negativas e acredito que tenha a ver com o fato de eu ser uma mulher independente, empoderada. Isso assusta! Mas o Gareth me fez acreditar que o amor existe para todo mundo. Quando nos conhecemos, eu pensei: “Quero isso pra mim!”. 

E como foi?
É curioso, porque um pouco antes de nos conhecermos eu havia determinado que queria viver um grande amor. Comecei a imaginar como queria que fosse essa pessoa e anotava tudo num caderninho. Até que um dia um amigo me ligou e disse: “Olha, tem um gringo aqui em Belém e ele disse que só vai embora depois que te conhecer...”. Aí, eu quis saber quem era, fui fuçar nas redes e puxar a ficha (risos). Acredito, de verdade, que eu atraí esse amor para a minha vida. Duas semanas após nos conhecermos já estávamos juntos. 

Então você acredita que o pensamento tem poder?
Claro! Uma coisa que me bloqueava era a mágoa dos meus ex-parceiros. Em certo ponto, comecei a tentar ver a coisa de outra maneira, a pensar que cada um deles ensinou algo importante para a minha trajetória. Quando nosso coração está preenchido, mesmo que seja de dor, não cabe outra pessoa, outro sentimento. Então fui me libertando, perdoando e criando um lugar em mim para viver uma história nova. 

Qual é o maior barato de ser mulher?
Para começar, a maternidade. Mas vai muito além: a forma como a gente lida com a dor, a capacidade de ser múltipla. A mulher é um ser alado, colorido e poderoso! 

O que é feminismo para você?
É a luta pela igualdade. Não estamos contra os homens, não queremos ser mais do que eles. Tentam distorcer a ideia, colocar o feminismo como uma coisa chata, radical. No entanto, quem pensa isso não entendeu o movimento de fato. 

Você é uma mulher extremamente realizada. O que falta alcançar?
Quero me firmar como uma artista não só do Pará mas do Brasil, versátil. Posso fazer projetos cantando samba, jazz, pop, o que for... Tudo o que for diferente me interessa! 

Muita gente tem medo de mudanças. Esse não parece ser o seu caso...
De jeito nenhum. Eu amo mudar, me transformar... Meu medo é que as coisas fi quem sempre da mesma maneira. Me entedia!